QUEEN: Reinhold Mack, o homem que reinventou o Queen.

Por ocasião do aniversário de 20 anos do álbum ‘The Game’, o engenheiro de som e produtor musical alemão
Reinhold Mack deu uma entrevista muito interessante, falando sobre seu trabalho com o Queen neste álbum e destacando as características de cada integrante trabalhando em estúdio.

Entrevistador: Tem sido dito que você é responsável pela mais bem sucedida era do Queen, entre 1980 e 1988, na qual eles viajaram pelo mundo em grandes turnês. Até onde vai essa sua responsabilidade?
- Bem, é verdade que nos álbuns em que trabalhamos juntos obtivemos um som especial, totalmente novo, que se converteu na nova marca Queen, como “Bohemian Rhapsody” tinha sido anos antes. Mas foi um trabalho em equipe, a responsabilidade não era minha. Eles tinham em mente as ideias para um novo som, mas precisavam de um engenheiro que pudesse ajudá-los a dar vida e expressão a ele.

Seu encontro foi então algo providencial?
- Foi sorte. Para todos nós. Na verdade, foi graças a Jim Beach, o empresário da banda. Eu não acredito em destino, pelo menos como uma força inevitável que nos leva a uma direção fixa. Eu prefiro acreditar em destino oportuno.

O que o Queen transmitiu a você quando tiveram seu primeiro contato sério, enquanto eles preparavam 'The Game'?
- Mais do que transmitir algo, foi uma sensação generalizada que existia entre eles. Em 1979, a banda havia atingido um certo estado de exaustão; eles começaram sua carreira com dois excelentes álbuns que tinham um som peculiar, uma produção impressionante para as relativamente poucas ferramentas que tinham. Eram álbuns complexos e eles entenderam que, se quisessem uma autêntica expansão de seu público, deveriam ter um momento da virada em seu próximo trabalho, que era o "Sheer Heart Attack". Este álbum marcou o clima dos próximos, que seguiriam uma linha comum, misturando músicas mais pesadas com outras completamente originais e em novos estilos. 'Opera', 'Races' e 'News of the World' seguiram esse padrão que lhes deu tanto sucesso, mas parecia totalmente exaurido com 'Jazz'. John Deacon me disse que, se tivessem seguido a mesma linha, a banda não teria mais o interesse do público. Os álbuns que eu nomeei são fabulosos, um autêntico sopro de ar fresco na música daquela época. Mas com 'Jazz' o modelo era muito clichê. Eles deixaram isso claro, e esse foi o ponto inicial do meu trabalho.

Em que ponto já estava desenvolvido o álbum quando a colaboração entre vocês começou?
- Para o novo álbum, que seria lançado em 1980, eles já haviam delineado as músicas, e os locais para gravação e mixagem já tinham sido escolhidos. A sorte os trouxe para Munique, para o Musicland, onde eu poderia trabalhar com eles. Os rapazes sabiam que precisavam de um novo som, algo diferente dos discos anteriores. E ao mesmo tempo eles temiam que as pessoas parassem de reconhecer o Queen, já que o som de seus álbuns dos anos 70, com as famosas harmonias, era emblemáticas. Eles queriam algo novo, mas não sabiam o quê.

E como eles expressaram isso?
- Freddie era o mais reticente, já que as músicas que ele escreveu para 'The Game' poderiam ter se encaixado perfeitamente em um álbum da década anterior. Brian May pensava que o disco deveria prender o público, com canções mais identificáveis – consequentemente mais melódicas. John tinha ideias um pouco mais claras e defendia um som mais seco, mais audível, uma produção mais simples e com uma adaptação aos novos ares musicais que sopravam na época, e que apontava para o que é conhecido hoje como Pop. Roger Taylor foi talvez quem colocou mais entusiasmo na busca de um novo som; eu trabalhei muito mais com ele do que com os outros membros da banda, porque Roger precisava da minha ajuda.

Em que sentido?
- Roger não estava satisfeito com seu trabalho como compositor. Eu acho que ele finalmente encontrou um novo estilo, diferente de suas músicas anteriores, mas ele não sabia como aperfeiçoá-lo. Eu lembro que Roger escreveu três músicas para 'The Game', e as três causaram polêmica na banda: havia uma música chamada “Coming Soon” que Roger, no começo, pensou que deveria ser promovida no single, deixando seu lugar no álbum para outra dele, “A Human Body”. Mas Brian e Freddie contestaram dizendo que se fosse incluída no álbum este ficaria muito melódico, já que eles já haviam escrito três músicas com batidas mais suaves para ele. Finalmente, eles convenceram Roger, que se sentia especialmente orgulhoso de “A Human Body“, e optaram por “Coming Soon”. Essa música é um bom exemplo do som que fizemos para este álbum e, em geral, para os próximos, até 'A Kind Of Magic'. Mas talvez isso seja melhor ilustrado pela terceira música de Roger: “Rock It”. Havia problemas com essa também: Roger tinha definido que iria cantar, mas Brian e eu sugerimos que talvez Fred soasse melhor. Duas versões foram gravadas, uma com Roger e outra com Freddie. John gostou mais de Roger, mas Brian preferia Freddie, então um acordo foi feito: a versão de Roger, com a introdução feita por Freddie. Isso foi razoável, Brian já tinha uma música para cantar no álbum, e era justo que Roger tivesse a mesma chance, uma vez que “A Human Body” ficou de fora. O Queen trabalhava dessa maneira, havia um grande entendimento entre eles.
Finalmente, a música foi gravada, embora tivemos que trabalhar muito na produção: Roger tem uma voz muito particular, “quebrada”, que torna suas frases musicais muito curtas, o oposto de Freddie, que conseguia deixá-las mais longas. Para evitar que as frases ficassem muito curtas, cada vez que Roger terminava um verso, eu adicionava alguns efeitos de sintetizador para que não houvesse tanto espaço antes do próximo. Isso deu à música um novo som, no qual trabalhamos muito nos próximos álbuns, e especialmente nas faixas de Roger.

O Queen era uma banda extraordinária e prolífica, porque tinha a vantagem de seus quatro membros serem compositores. Como era cada um deles na hora da criação?
- Freddie era algo impressionante escrevendo. Ele sempre começava por uma ideia geral da música, ele primeiro se propunha a fazer algo em um sentido global, por exemplo "Eu estou fazendo uma canção de amor, muito harmônica". E a partir dessa ideia seminal ele aperfeiçoava, adicionava e tirava coisas. Foi assim que ele disse que escreveu “Bohemian Rhapsody” e aquelas músicas fantásticas que ele fez para os dois primeiros álbuns da banda. Mas ele sempre era claro sobre o que estava fazendo e para onde estava indo.

- Brian May é um músico tremendamente meticuloso, lembro-me que ele compunha as músicas como um arquiteto, quer dizer, andar por andar, começando pelas fundações. Ele meio que conhecia os níveis que o edifício deveria ter, mas não sabia quantas janelas ele ia colocar, ou quão grande seria o sótão. Além disso, ele é muito rigoroso e exigente consigo mesmo.
- John entretanto era um enigma. Quando Brian escrevia, nós sabíamos porque ele ia de um lado para o outro com um caderno na mão e cantando os refrões ou nos contando suas ideias. Quando John Deacon escrevia, sabíamos porque ele mal falava. Ele ficava quieto por um longo tempo, sentado em uma cadeira e bebendo chá e refrigerante. Lembro que uma vez Roger chegou brincando na sala de estar que tínhamos no estúdio. Havia um silêncio absoluto até Roger entrar gritando “O que foi? De quem é o funeral?”, e Freddie sussurrou para ele “Shhhhh, John está compondo”. Eu acho que foi Fred quem lhe deu o apelido de avestruz. Porque John era como um pássaro, que fica quieto até finalmente colocar um ovo perfeito. John era assim, ele entregava os papéis para os outros com as músicas completamente acabadas, embora no final todos adicionassem algo para melhorar a música.

E Roger?
- Roger era como o pólo oposto do Freddie. Como compositor, ele era muito intuitivo. Ele partia quase sempre de uma ideia isolada, como uma melodia ou um refrão, ou simplesmente um suporte harmônico. Se soasse legal, seria o começo de uma boa música. Nesse sentido, Roger é quem mais dependia da inspiração. Felizmente, ele quase sempre estava inspirado e escreveu canções realmente maravilhosas. Ele é um grande músico, uma pessoa que dá seu corpo e alma à música. E é incrível como o entusiasmo dele permaneceu intacto por todos esses anos. Neste álbum ele realmente deu o seu melhor.

No entanto, 'The Game' é o último álbum no qual Roger Taylor e Brian May cantam suas músicas.
- Até 'Hot Space' era o habitual. Eu acho que eles queriam mostrar que eles não só eram capazes de escrever e tocar, mas também de apresentar suas próprias músicas. Também me parece que as músicas que Brian e Roger cantaram nos álbuns poderiam ser cantadas somente por eles, como se tivessem sido escritas para suas respectivas vozes. Eu não posso imaginar Freddie cantando “I'm In Love With My Car”, ou “Sail Away, Sweet Sister”, uma canção preciosa que Brian escreveu para 'The Game', mas que no entanto não foi incluída no setlist dos shows. Agora parece que Brian a resgatou para suas apresentações solo, e é uma maravilha de se ouvir.

‘The Game’ foi um grande sucesso comercial do Queen, em torno do qual foram feitos importantes shows que fizeram a banda triunfar nos palcos americanos. Além da parte comercial, você e a banda ficaram musicalmente satisfeitos?
- O resultado global do 'The Game' foi muito satisfatório. John ficou encantado com o resultado final do álbum, e Brian reconheceu que desde 1976, quando eles mixaram 'A Day at The Races', eles não fizeram nada tão bom assim. Freddie foi o único com mais dúvidas. Ele não estava insatisfeito; na verdade, por muito tempo, ele considerou que “Crazy Little Thing” era uma de suas três ou quatro melhores canções; mas ele teve que fazer grandes esforços para se adaptar ao novo som que estávamos procurando. Anos depois, lembro que ele estava trabalhando em uma música para o 'The Miracle', um álbum do qual eu não participei, chamada Stealin', e ele me garantiu que, sete anos depois do' The Game', sua maneira de escrever e arranjar as faixas se deviam muito às coisas que fizemos em Munique. Eu me sinto orgulhoso desse trabalho, foi um total de cinco álbuns que fizemos juntos, e todos eles tem uma dívida com 'The Game'. Eu não posso esconder que é o meu álbum favorito dos que fiz com o Queen, na que foi a melhor época deles. Dele também são algumas canções emblemáticas que desde então nunca estiveram de fora de nenhum de seus shows, como “Another One Bites The Dust” e “Crazy Little Thing Called Love”.

Você tem planos de trabalhar novamente com o Queen?
- Não, nada para este momento. Com Brian eu já trabalhei fora do Queen, mas não temos nada programado agora. Brian e Roger continuam lutando para que o legado do Queen continue; eles decidiram isso, e são eles que tem que fazer esse trabalho. Eu já fiz o meu por alguns anos inesquecíveis, mas isso é o passado. De qualquer forma, eles são amigos próximos e sempre estarei preparado para trabalharmos juntos novamente.

Fonte: (Musikalische Themen Von Heute 2000/ Deaky.net)

(Lu)

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